A Academia de Ciências e Letras da Noruega e a comunidade matemática mundial finalmente puderam compensar a falta de apoio e reparar a falha cometida contra um dos maiores matemáticos do século 19. Em junho deste ano foi entregue o primeiro Prêmio Abel de Matemática, nome dado em homenagem ao matemático norueguês Niels Henrik Abel (1802-1829).
Como não existe o Prêmio Nobel de matemática, até agora a única honraria de peso exclusiva para esse campo de conhecimento era a Medalha Fields, mas ela só é conferida a cada quatro anos e concorrem apenas acadêmicos com idade abaixo de 40 anos. Já o Prêmio Abel será entregue todo ano e vai levar em conta o conjunto da obra do matemático. O primeiro premiado foi o francês Jean-Pierre Serre, do Collège de France, o mesmo ganhador da Medalha Fields em 1954. O objetivo do prêmio Abel, segundo a academia norueguesa, é elevar o status da matemática na sociedade e incentivar o ingresso de jovens nessa área do conhecimento. Além do mérito, o vencedor leva mais de US$ 800 mil.
Hoje a Noruega pode se dar ao luxo de instituir tal premiação, com cerimônia de entrega com a presença do rei Harald V. Mas há 200 anos o país era pobre e não teve condições de apoiar adequadamente os estudos e trabalhos de seu mais importante matemático. Além de ter nascido em uma família sem recursos, o jovem Abel perdeu o pai aos 18 anos, enquanto estudava na única e recém-inaugurada universidade do país, em Oslo. Do dia para a noite, teve de assumir o sustento de seus seis irmãos e de sua mãe.
Os professores sabiam da excepcional habilidade matemática do jovem e o ajudavam como podiam. Mesmo em meio a dificuldades financeiras, Abel desenvolveu seu mais importante trabalho, que depois da sua morte viria a influenciar o desenvolvimento da chamada teoria de grupos na matemática moderna. Ele demonstrou que não existem fórmulas simples para a solução de equações de grau superior a quatro. Para achar as raízes das equações de segundo grau, por exemplo, os matemáticos já sabiam que podiam contar com a famosa fórmula de Báskara (veja quadro ao lado).
Aos 23 anos de idade, Abel recebeu uma pequena ajuda financeira de seu país para viajar por dois anos pela Europa em busca de melhores condições e de reconhecimento internacional. Uma vez no exterior, Abel passou por sérias necessidades, mas submeteu seu trabalho à apreciação do então renomado Carl-Friedrich Gauss (1777-1855). O matemático alemão, no entanto, não emitiu nenhum parecer sobre o estudo e sequer leu os papéis do norueguês. Em Paris, o também respeitado Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) foi procurado e tudo indica que o francês perdeu os escritos do jovem Abel.
Apesar desses infortúnios, o pobre matemático fez uma sólida amizade com o engenheiro alemão August Leopold Crelle (1780-1855), que na época sonhava em fundar uma revista que se equiparasse aos já consolidados periódicos matemáticos franceses. Foi uma ajuda mútua. Abel pôde divulgar vários de seus trabalhos na publicação de Crelle que, por sua vez, realizou seu sonho editorial. O "Crelle's Journal" é hoje um respeitado periódico com quase 200 anos de história.
Abel não conseguiu se manter mais do que sofridos dois anos fora de seu país e teve de voltar à Noruega sem reconhecimento da comunidade matemática. Trabalhando na universidade de seu país, suas condições financeiras melhoraram, mesmo tendo a responsabilidade de cuidar da família.
Um dia, uma carta do amigo Crelle chegou da Alemanha para Abel. A Universidade de Berlim finalmente o convidava para o cargo de professor, um dos postos mais importantes da época. Outra carta chegou da França: seu trabalho foi reconhecido e premiado também em Paris. Mas era tarde demais. Dois dias antes, com apenas 26 anos de idade e em pleno auge intelectual, o matemático havia morrido de tuberculose, doença que contraiu no exterior, onde sua saúde foi seriamente afetada. Suas condições precárias e sua vida na gélida Noruega teriam agravado ainda mais o seu estado. O jovem Abel só seria mesmo reconhecido postumamente, e a matemática havia perdido um gênio em plena atividade.
fonte: Revista Galileu
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